Sua secretária anuncia ao telefone a Coordenadora da Escola
de seu filho. Ele tem apenas 1a6m e neste mês é a 3ª vez que o discurso se
repete: “Mamãe estou ligando, pois o Lucas
foi mordido por um coleguinha. Já tomamos as providências com pomadas e gelo”.
Sua reação é imediata: “Não acredito! De
novo? Quem é que está fazendo isso com meu filho? Fale, porque eu tenho o
telefone das mães, vou ligar, pois se ela não dá educação para seu filho ou
filha, eu vou ensinar o meu a revidar. Meu marido vai querer uma reunião
exigindo providências”. Logicamente, a Coordenadora não anuncia o mordedor,
consegue tranqüilizar a mãe e coloca-se à disposição. Este contato vem. Os pais
iniciam a reunião dizendo que desejam cancelar a matrícula. Três mordidas em um
mês é mais do que motivo para questionamentos, inclusive a atenção das tias
para com seu filho. Mas, o que estes pais não sabem é que há uma explicação e
que seu filho, hoje no papel de agredido, poderia ser o agressor – colocação conscientemente
negada por qualquer pai, que jamais vê o filho com “instinto para agredir”!
Diante de dentinhos tão ágeis, indaga-se: “Morder é uma forma de agressividade?”; “Morder o tornará violento?”; “Por que crianças mordem?”. Em primeiro
lugar eliminem desse leque: incentivo à agressividade, rivalidade e apatia
(quando se é o lado agredido da história). Iniciamos contando que a boca é a
primeira região de contato da criança desde a gestação. Com ela, busca-se o
alimento na placenta. Ao nascer, é o elo de comunicação e interação do bebê com
o meio e desenvolvimento da oralidade. Através dela é alimentado, chora (de
dor, sono, troca de fraldas, manhas) e sorri. A fase Oral é uma das mais
importantes na vida do Ser Humano. A criança com problemas nesta fase pode
desencadear problemas futuros com alimentação, chupeta, linguagem e até com o
beijar.
Começa a formação dentária, por volta dos 4 / 5 meses, e só
se encerra por volta dos 2a6m. No inicio encontram-se sofisticados mordedores
para aliviar as tensões sofridas pela gengiva, afinal, tudo vai pra boca. O bebê cresce, e sua boca passa a auxiliar-lhe
com sons e algumas palavras. Os mordedores são esquecidos, mas o nascimento dos
dentes continua e o incômodo também. Os pais só percebem esta alteração quando
vêem o filho, não só levando tudo que vê à boca, como tentando mordiscar
objetos, de qualquer textura e densidade. Em paralelo há o desenvolvimento
neuro-afetivo da criança, que passa a expressar, com ações, seus desejos e
frustrações em situações de rotina.
O “ser contrariado” passa a fazer parte de seu dia-a-dia e é,
neste momento, que outro fator entra em ação: o limite. O não
torna-se peça fundamental da “famosa Lei da Física”. Enquanto se diz não
sua ação passa a ser a da reação, muitas vezes, a mordida. Mas não
deixem de cerceá-los, quando preciso, ok? Ah! Sem contar o fato de que há a
vivência do egocentrismo – a criança é o centro das atenções; em casa tem tudo
o que quer; os brinquedos são seus e nada, nem ninguém a tira deste monopólio
(exceto quando sente-se “ameaçada”). A Escola tem papel fundamental na
compreensão deste monopólio, pois a criança exerce o hábito de viver em
sociedade. Mas, diferente do adulto, ainda não distingue suas emoções, de
acordo com o local em que se encontra. Portanto, é comum encontrarmos crianças
que passam por desavenças em casa (como viver a separação dos pais, morte de um
membro familiar, ou até a contrariedade da roupa que deseja colocar), as trazem
na bagagem mnemônica à Escola, disputam um brinquedo com um amigo e, a sequencia
natural é a Mordida.
Este monopólio ameaçado pode ser observado em alterações, não
só como as exemplificadas acima, mas em momentos como: chegada de um irmão ou
em situações onde outro fator qualquer passa a dominar diálogos entre os pais
em casa. e a reação dela também é a Mordida.
Pais que possuem alteração na rotina de trabalho, passam a conviver menos com a
criança (aqueles casos em que sai, a criança está dormindo e chegam a criança
já está dormindo), sabem que com ela está tudo correndo bem (física e
fisiologicamente), mas esquecem que esta criança, na realidade, está deixando
de ver / conviver com esta mãe / pai como o fazia antes de tal mudança. E sua
reação de “falta” de convívio o leva a desconfortos internos, que ela irá
“traduzir” em forma de Mordidas.
Ao contrário do que imaginam, não estou incentivando o
morder. O que, ao final da reunião daqueles pais do início, a Escola deixa
como mensagem, é que como o engatinhar, o morder também é uma fase que irá
passar, dando espaço à maturidade. Como o engatinhar, cada criança vivencia
estes movimentos a seu tempo, e, em alguns casos, nem chegam a ocorrer – como há
crianças que não engatinham e já andam direto, há crianças que não mordem. Diante
da imaturidade frente ao controle de ações e frustrações, a criança encontra na
boca o ponto certo; nada diferente do que vem fazendo até então; só que agora
os dentes são parceiros e os amigos, o alvo!
Muitas vezes, ser sempre o mesmo amigo, nada tem a ver com
“divergências pessoais”. Sabemos de muitos que nesta idade eram agressor e
agredido e hoje são grandes amigos. O que pode explicar esta unicidade é a
preferência lúdica – aquele amigo está sempre com o brinquedo predileto de seu
filho. Ou, coincidentemente, a criança tem maior apreço por determinado
brinquedo (bem como o Amigo), e naquele dia, em que o Brincar poderá lhe
acalantar, internamente, ao chegar na escola, é com ele que seu Amigo está
brincando e ele, de maneira inconsciente, pensa: “Já não vi minha mãe” – que saiu cedo para o trabalho; “Já não vejo mais meu cachorro” – que
morreu; “Já não vejo mais meu pai” –
porque se separaram; “E ainda assim, não
poso brincar com meu brinquedo? Com o trabalho da minha mãe, meu cachorro
falecido e com a separação dos meus pais não posso confrontar, mas disputar um
brinquedo, eu posso” – por isso... Morde.
Jamais tenham em mente que este ato fará de seu filho “agressivo”, pesquisas
descartam esta relação em todos os graus, pois, o violento de hoje, retratado
em suas ações, não foi um mordedor com 18 meses de vida.
Mas, diante de todo este leque de informações, aqueles mesmos
pais em reunião, agora um pouco mais tranqüilos e já descrentes da idéia do
cancelamento da matricula, perguntam: “como
agir?”
1. Sem barraco! Não se deixe levar pelo impulso, só
para mostrar que não perdeu as rédias. Bronca pública só aumenta o nervosismo
dele e gera uma ação pior. Tire-o da situação e... dialogue!
2. Hora do desarme! Ao afastar seu filho da “vítima”
seu trabalho será o de entender o porquê da ação. Pergunte se o outro “lhe
deixou bravo”, se “não lhe deu atenção”, por isso ele o mordeu.
3. Atos e conseqüências! Fazer com que a criança peça
desculpas fará com que ele se coloque no lugar do outro e sinta a mesma dor se
estivesse do lado oposto.
4. Vigilância! A separação não é a solução.
Deixe-o junto do amigo que ele mordeu, incentive o convívio harmonioso; para
que o amigo perceba que também poderá estar ao seu lado sem problema.
5. Pesquisa de campo! Tente observar se a situação ocorre
em um momento que seu filho vive uma situação de stress; assim prevendo tal
situação, converse com ele antes de uma nova mordida.
6. No prejuízo! Se o motivo for a disputa do
brinquedo, e seu filho saiu no lucro, com a posse do mesmo, retire-o e mostre
que não é na agressão que as coisas são adquiridas hoje e ao longo da vida.
7. Sem voltar atrás! As crianças valorizam “combinados”.
Se você promete deverá cumprir. Ela não cobra brinquedos? Então, se disser que
reincidindo nas mordidas, ficará sem o brinquedo, cumpra.
8. Jamais dê o troco! Sendo seu filho o agredido e com
certa freqüência, ensiná-lo a revidar é incentivá-lo a se defender com
agressividade. O caminho não é por aí. Converse!.
9. Poupe-se! Ligar para os pais do agressor ou
aguardá-los na porta da Escola, só irá lhe estressar. Não se sabe qual a reação
do outro. Eles tanto podem dizer que ensinam o filho a ser assim como podem se
surpreender. O trabalho de civilidade, educação e harmonia é feito em cada
casa.
Claro, muitos dizem que a teoria é fácil. Esta é inclusive a
fala dos pais no inicio da reunião. No entanto, ao final, estava claro que a
ferramenta para todas as etapas do filho está em cada um de nós. O diálogo é
base, princípio e constante. Situações ocorrem e passam. Sejam passivos e
comunicativos (inclusive, transmitindo à escola as importantes alterações de
rotina ocorridas em casa – o comportamento de seu filho aqui, é reflexo do que
ele vive em casa), pois amanhã o resultado será mais do que satisfatório.
Valesca Souza
Psicóloga e Espec. em
Neuropsicologia
email: valescasouza@gmail.com
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