quinta-feira, 4 de agosto de 2011

ONICOFAGIA - QUANDO O ATO DE UMA CRIANÇA TRADUZ UM PEDIDO

Caros leitores já começo o relato com uma pergunta: vocês sabem o que é Onicofagia?

Pois bem, este título, aparentemente desconhecido, é atribuído tecnicamente à compulsão que algumas pessoas, principalmente as crianças, têm em roer unhas.

Colocá-lo no mês de agosto tem alguns porquês: as crianças estão retornando de férias à rotina escolar, para muitos é o ultimo semestre letivo na Instituição, pois no próximo ano estarão em outro Estabelecimento, e para outros é um mês de fechamento trimestral com avaliações que poderão definir os próximos três meses. Ou seja, um mês onde esta pratica é visivelmente observada.

A Onicofagia é um hábito muito comum entre crianças e jovens. Geralmente surge em torno dos 04 anos, aumenta entre os 07 e 11, com acréscimo considerável durante a adolescência – talvez porque, quase que por determinação biológica, esta é uma “fase de crise”, experimenta-se um maremoto emocional que persegue os jovens que estão com um pé na estrada da infância e outro na fase adulta; então, afirma-se que se trata de um hábito comum pertencente à faixa etária dos 04 aos 18 anos.

É... recebo queixas de crianças que roem unhas e pais com a visão de filhos tranqüilos, sem alteração de rotina ou “motivo” que os levem a tal. “Incrível, ele só rói unhas quando está em frente à TV, assistindo seus programas prediletos, ou seja, mais tranqüilo impossível” – este foi um dos relatos que já ouvi em conversas com pais. Porém o que muitos desconhecem é que roer unhas é uma manifestação de ansiedade, embora existam pessoas que o fazem por reflexo condicionado (crianças que imitam a ação de outras / ou mesmo de um adulto). Portanto, nem todas as pessoas que roem unhas sofrem de ansiedade e nem todo ansioso rói unhas, uma ação cuja causa é difícil (mas não impossível) de ser determinada.

O discurso dos pais traz a descrença de que o filho não tem problemas e não manifesta angústias. E aí está o engano. É roendo unhas (muitas vezes, em momentos de maior descontração), que a criança demonstra descontentamento frente à situação. Como sempre elucido: tragam a situação de seu filho para suas vidas. Não saímos para um papo com um amigo quando temos um problema ou mesmo para desabafar? Pois bem, os amigos das crianças nesta fase, ainda não possuem a concepção do ‘ombro amigo’. Para elas, amigo é aquele que brinca, disputa brinquedos, lhe tira atenção requerida e para desabafar... leva-se a mão à boca ou come-se compulsivamente – afinal, a criança busca na boca o prazer, quando lidar com uma situação está difícil.

E, ao leitor virá a dúvida: “Falamos, então de uma regressão à Fase Oral?”. Sim, podemos falar de regressão, afinal, a Fase da Oralidade não é marcada pela satisfação da criança via boca? Esta é a “função do roer unhas” – buscar prazer, oralmente.

No entanto, o ato de levar o dedo à boca, pode ser repentinamente interrompido, quando a criança percebe que está sendo observada, e aí o desencadeamento de um complexo de culpa pelo ato, torna-se natural. Levando-se em conta que a postura do adulto com a criança é a de repressão, proibição e ridicularização, para os pequenos, a seqüência (inconsciente) de suas idéias fica: estou ansioso / descontente – busco o prazer / alívio (roendo unhas) – minha mãe/ meu pai vêem e me dão bronca – sou feio – não posso fazer o que gosto – eles não me entendem.

E sob tal, nos remetemos à linha de que a educação, a conversa e a busca pelo entendimento dos filhos, se tornam o melhor caminho rumo ao fim deste movimento, sem que conflitos sociais surjam como seqüelas. Crianças roem unhas quando se sentem angustiadas, quando temem por não ter estudado devidamente para uma prova, quando lêem ou ouvem histórias de terror, quando os pais se separam, quando nasce um irmão, quando aguardam por um passeio / encontro / viagem / Papai Noel / Coelho da Páscoa. A substituição do hábito na adolescência é observada no mordiscar o lábio, a ponta de lápis e canetas e outros objetos. E no adulto, o tabaco, mascar chicletes, são substitutos mais comuns (ou aliado, pois existem pessoas que realizam todos os atos concomitantemente) – já que, estes são métodos sociais ditos como “aceitáveis” e de gratificação oral.

Neste momento, o leitor deve estar buscando a resposta para a indagação: “Tudo bem, mas eu não fui nem sou uma onicófaga, meu marido também não, não fumamos, levamos uma vida familiar tranqüila, sem brigas, e eu não consigo fazer meu filho parar de roer unhas, já coloquei produtos de gosto ruim, pimenta, mas ele lava e continua com os dedos na boca, o que eu faço?” Minha colocação e/ou sugestão é que esta ‘maneira de punição’, definida como arcaica por alguns autores, ou mesmo as punições verbais (com adjetivos depreciativos), nada irão resolver a questão e sim ampliá-la rumo a conseqüências indesejáveis.

A interrupção de um hábito deverá partir da própria criança, desde que, internamente ela se sinta segura e não necessite mais recorrer à esta pratica – o adulto não pára de beber entre amigos ou fumar porque o outro diz que é feio ou usa de artifícios que tornem o seu prazer desagradável (e aqui estou me remetendo a casos controláveis, e não situações de problemas extremos com o uso do álcool). Levar o dedo à boca nada mais é do que um pedido ‘visual’ da criança aos pais com o discurso “atentem-se a mim”; e buscar a interrupção do hábito, sem saber a causa, é aumentar a angústia desta criança.

Por outro lado, palavras de incentivo, ações de manutenção higiênicas (como manter as unhas sempre limpas e aparadas), alertas sobre complicações gástricas (causadas pelas pontas das unhas no estômago), a colocação da vaidade (no caso das meninas – até levar as adolescentes à manicura), pode fazer com que eles se sintam olhados, e deixem de lado este ato. Afinal, caso seu hábito esteja relacionado ao se sentir desamparado afetivamente, haverá, com tais atitudes, a certeza de satisfação pelo que buscam. Além de artifícios externos, como objetos anti-stress dados a eles no momento em que estão em frente à TV, para que possam manusear e esquecer o hábito adquirido – o famoso “desviar o foco”.

Claro, este foi apenas um relato informativo, acerca de um hábito comum, com nomenclatura tecnicamente estranha, e falamos de situações que, com a simples atenção dispensada à criança, podemos evitar complicações futuras. Não deixo de mencionar casos extremos, onde a busca por um tratamento torna-se o próximo passo. Por isso, olhem com carinho para estes pequenos tesouros, a criança sempre nos diz, nos pede. E a nós, o saber decodificar seus pedidos, vindos através de ações, poderá tornar saudável a vida destes e as nossas também!

A Onicofagia, só é um “bicho de sete cabeças” em sua nomenclatura técnica, lidar com ela, é nada mais do que um agradável trabalho de olhar para seu filho com carinho, amor a atenção.

Valesca Souza

Psicóloga Clinica – Especialista em Neuropsicologia

e-mail: valescasouza@gmail.com

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